domingo, 26 de fevereiro de 2017

2016 foi ano da cerveja belga - Por Doug Merlo

Desde o fim de 2016, beber cerveja belga é considerado uma “experiência cultural”, isso porque a UNESCO finalmente decidiu adiciona-la sua lista de patrimônio imaterial da humanidade, inserindo a cerveja belga entre as mais altas expressões culturais e tradicionais da humanidade. Além de ser um grande reconhecimento por um elemento fundamental da sociedade belga, o aspecto mais gratificante para nós apaixonados por cerveja é que no texto da UNESCO faz referimento a “cerveja artesanal”. Em outras palavras não se pode falar de cultura cervejeira belga sem considerar uma conexão ao conceito de cerveja artesanal.

A Bélgica entrou com a sua candidatura para o reconhecimento seguindo itens burocráticos bem precisos. Entre os documentos que compõe o dossier formado pela UNESCO, aparecem algumas citações que foram fundamentais para o reconhecimento ser efetivado.

Um resumo do texto da UNESCO:

Produzir e apreciar uma cerveja é parte fundamental das tradições de uma ampla variedade de comunidades da Bélgica. Tem uma função primaria no quotidiano do povo belga, bem como em ocasiões de festas e celebrações. Quase 1.500 rótulos são produzidos no país utilizando diversos métodos de fermentação. A partir dos anos '80 a cerveja artesanal começou a se tornar popular. […] Além disso, a cerveja é muito usada no âmbito gastronômico, como no caso da criação de queijos com cerveja na maturação. Assim como o vinho no resto do mundo, na Bélgica a cerveja é muito usada para harmonizar refeições para exaltar aromas, gostos e sensações. Diversas associações de produtores e consumidores trabalham em grande proximidade com as comunidades locais para promover um consumo consciente da bebida. Além de ser transmitida em casa e nos círculos sociais, os conhecimentos e habilidades são transmitidos por mestres-cervejeiros que lecionam aulas em cervejarias, cursos universitários especializados para profissionais, hospitalidade em programas de formação geral para os empresários e pequenas fábricas para cervejeiros amadores.

Uma grande parte da população belga se identifica com o elemento “cerveja” e participa de uma ou mais atividades relacionadas a esse elemento. Milhares de pessoas, organizadas ou não, homens e mulheres, profissionais ou amadores, lidam diretamente com a cerveja na Bélgica.

A cerveja é produzida em todo o território belga. Em todas as regiões existem cervejarias, clubes, museus (cerca de trinta no total), cursos de formação, eventos, festivais, restaurantes e bistrôs que contribuem com o vivaz e criativo panorama cervejeiro local. Vôrias práticas tem raizes geograficamente limitadas: como por exemplo o Lambic, um produto que se encontra somente em Bruxelas e em uma região vizinha chamada Pajotteland e somente durante o inverno; as antigas cervejas escuras e ácidas produzidas na região Flaminga ocidental; típicos queijos feitos com cerveja produzidos por abadias.

Na Bélgica existem quase 200 cervejarias que juntas produzem cerca de 1500 rótulos, muitas das quais são artesanais ou especiais, de mais de 50 estilos. Essa variedade deriva da criatividade dos cervejeiros, da necessidade de consumidores conscientes, um sólido sistema de compartilhamento e transmissão das informações e uma ampla gama de soluções tecnológicas e matérias-primas."

Nada que nós apaixonados por cerveja já não saibamos. Mas uma coisa talvez os leitores do Loucos por Belgas talvez não saibam, é que esse reconhecimento por parte da UNESCO para a cerveja belga, fez com que os alemães “torcessem o nariz”. Exatamente 3 anos atrás, os alemães foram os primeiros a tentar promulgar a cerveja deles como patrimônio da humanidade, seguindo a mesma estrada que a Bélgica seguiu, mas teve o pedido negado. Porém a estratégia adotada pela Alemanha na época foi diferente da Bélgica, pois eles apostaram tudo sobre o reconhecimento da Lei da Pureza alemã da cerveja (Reinheitsgebot) como documento das tradições culturais cervejeiras locais. Através das minhas pesquisas eu não consegui descobrir o motivo pelo qual a UNESCO negou o pedido, mas não é difícil imaginar: primeiramente a Reinheitsgebot era uma lei de “tutela alimentar” e não uma disciplina qualitativa; segundo, e mais importante, essa lei contribuiu para o desaparecimento de tantas especialidades locais que bruscamente não puderam mais ser consideradas cerveja. Resumindo, sem dúvida não é um elemento a favor da tradição de um povo.



Podemos afirmar que a cultura cervejeira da Bélgica não tem a necessidade de um reconhecimento da UNESCO para ser apreciada em todo o mundo pelo seu grande valor social, e nisso eu e muitos leitores estamos totalmente de acordo. Mas o aspecto mais importante, na minha opinião, é que nesse período de “puristas neo-proibicionistas”, neste momento histórico em que se criticam facilmente algumas bebidas alcoólicas ignorando a suas importâncias culturais, o elemento CERVEJA obtém o máximo reconhecimento possível para um produto componente da civilização humana. Mostrando para aqueles que em 2013, afirmavam que a Alemanha estava exagerando em propor que a sua cerveja virasse patrimônio imaterial da humanidade.

O ano de 2016 passou, e nos trouxe a alegria de ter uma paixão como a cerveja belga patrimônio da humanidade. Então a partir do inicio de 2017 a cada cerveja belga que formos beber estamos prestando uma homenagem a séculos de história, tradição e cultura de um país e um povo tão devoto a essa bebida.

Vejam o video que a própria UNESCO montou para finalizaçao do processo de reconhecimento de patrimônio da humanidade da cerveja belga.



Por:
Douglas Merlo
Biersommelier Doemens Diplom
Italian Beertaster Diplom
BJCP Certified
Mixologist