domingo, 3 de junho de 2018

As Antigas Duivelsbier de Halle - Por Doug Merlo

Se você perguntar para um apreciador de cervejas belgas o que era/é uma Duivelsbier, ele provavelmente daria alguma resposta do tipo: 

Claro, Duvel! E quem não conhece? São aquelas cervejas douradas com nomes diabólicos? Cerveja de cor dourada e fortes”.

Duvel é talvez uma das mais bem sucedidas cervejas belgas existentes. As antigas Duivelsbier não tem nada a ver com as cervejas modernas com referimentos diabólicos no rotulo.

Prefeitura de Halle - Bélgica
Halle é uma cidade ao sudoeste de Bruxelas na região de produção do Lambic. A língua oficial é o flamengo e é uma das maiores cidades da região (população de aproximadamente 38.000 pessoas). Os caçadores de cerveja, assim como eu, podem estar familiarizados com Halle, pois o jeito mais fácil de ir de Bruxelas a Beersel de trem para visitar produtores de Lambic icônicos como 3 Fonteinen e Oud Beersel deve-se fazer uma troca de trens em Halle. Antigamente eram comuns em Halle produtores e bistrôs onde serviam Lambic, infelizmente desaparecidos nos dias atuais juntamente com as Duivelbiers. Curiosamente, Vander Linden (extinto produtor Lambic em Halle) produziu uma Duivelsbier até 2001.

Mas então, o que é uma Duivelsbier?

Produzida na cidade de Halle por Pêtre Freres entre os anos 1883 até 1952, quando a cervejaria encerrou as atividades assim como muitas outras produtoras de Lambic da época. Brasserie Vander Linden, também da cidade de Halle, comprou a marca de Pêtre Freres e produziu a sua Duivelsbier até fechar em 2001.

É uma cerveja escura e forte, feita a partir das técnicas produtivas de fermentação espontânea (turbid mash) com 50-55% de trigo não maltado e malte de cevada (claros e escuros), fermentada e maturada por cerca de 2 anos em barris de madeira e servida com açúcar mascavo ou candi sugar.

A Duivelsbier, tanto no estilo histórico quanto nas representações modernas, é uma cerveja âmbar ou marrom com cerca de 7-8% ABV (embora versões recentes como a Vander Linden tinham apenas 6% ABV). A cor das históricas Duivelsbier era descrita como sendo semelhante a um conhaque.

De acordo com um artigo do início dos anos 1900 do jornal “Le Petit Journal du Brasseur”, é uma cerveja que surgiu perto do final do século XVII início do século XVIII. Conforme o jornal da época relata: 

Os jesuítas estavam fermentando e um dia eles ficaram sem fermento para a cerveja que tinham acabado de fazer, então eles colocaram o mosto em seus barris sem adicionar fermento, planejando misturá-lo com uma próxima produção. Mas começou a fermentar por conta própria antes de ser usada, então eles deixaram nos barris. Um ano depois eles pegaram uma amostra e descobriram que tinham uma cerveja vinosa que, quando adoçada, era bastante agradável, e assim a cerveja nasceu.”

O nome Duivelsbier veio logo depois disso. A história/folclore conta que alguns moradores de Bruxelas chegaram e, não sendo acostumados a cervejas essas cervejas alcoólicas de fermentação espontânea, bebiam demais. No caminho de volta para casa, quando foram parados pelo prefeito de Halle, eles culparam a cerveja, dizendo: "O diabo está nessa cerveja, não pode ser de outra maneira!" Como diz a história, o nome pegou e, de qualquer forma, essa cerveja escura e forte de fermentação espontânea tornou-se muito apreciada em Halle.

Duivelsbier Brasserie Van Der Linde (1998)
Era uma cerveja de corpo macio, carbonatada e fácil de beber. De cor clara lembrando um conhaque. O perfil de sabor é descrito como sendo entre Lambic e uma Oud Bruin ou Flanders Red Ale. É claro que levando em consideração que estamos falando sobre cervejas fabricadas por volta de 1900, então não podemos realmente comparar com exemplos modernos, isso sónos dá uma idéia do caráter de cor/malte. Geralmente servida com candy sugar ou açúcar mascavo no copo ou diretamente na jarra deixa a cerveja mais parecida com um Faro do que um Lambic sem corte.

O tipo de acidez das Duivelsbiers eram geralmente de tipo iguais as das Lambics, embora fosse um pouco menos intenso, especialmente para o ácido acético. Os níveis de ácido láctico das Duivelsbier eram cerca de 85% da concentração dos Lambics contemporâneos.

Na minha opinião as Duivelsbier são um bom exemplo de como a produção de Lambics mudou no último século. 100 anos atrás, existiam muitos produtores e mais “tipos” de Lambic do que o que nos dias atuais. Com isso temos essa mistura muito especial e regional chamado de Duivelsbier, e eu não ficaria surpreso em saber que haviam mais derivados de Lambic em outros lugares na Bélgica que ainda não conhecemos. O Lambic era geralmente fornecido para misturar com outras cervejas de alta fermentação para produzir diferentes tipos de produtos. Como todos sabem nos dias atuais o Lambic esta gozando de ótima saude produtiva e comercial com uma ampla gama no uso de frutas e barris específicos para complexidade de sabores. Então, realmente um renasceu assim como outro desapareceu.

Duivelsbier - Brouwerij Boon
Hoje existe um rótulo sobrevivente do extinto produtor de Lambic de Halle, a Duivelsbier de Vander Linden que operou até 2001. Em 2003 Brouwerij Boon comprou a falida marca e começou a produzir a cerveja, embora pareça mais uma Strong Dark Ale do que uma histórica Duivelsbier eu acho importante que alguém esteja mantendo o nome vivo, e tenho certeza de que as pessoas de Halle estão felizes em manter respirando um estilo nascido na cidade.

Existe alguma cerveja produzida nos tempos de hoje parecida com as antigas Duivelsbier? Não exatamente (que eu saiba), mas existem produtos parecidos em termos de características sensoriais. Eu acho que podemos ter chegado bem perto com o Straffe Winter da 3 Fonteinen, ela era uma cerveja de fermentação espontânea mais forte (8%) fabricada com maltes mais escuros, trigo e candi sugar com características semelhantes de um Faro. Essas semelhanças parecem atingir os principais pontos das antigas Duivelsbier. 

A Dominicus da produtora de Lambic Girardin também parece-se com um Faro de cor âmbar a 6% ABV, a mesma força que o Duivelsbier de Vander Linden.

Com o atual estado eufórico dos Lambics e seu crescimento, talvez possamos ver em um futuro breve o renascimento saudável e majestoso de um dos derivados de Lambic mais bebidos aos arredores de Bruxelas, as Duivelsbier.

Por Doug Merlo
Biersommelier Doemens Diplom
Italian Beer Taster Diplom
BJCP Certified
Mixologist